O impacto da alta do café no mercado e no consumidor

Café Tamura Garden

Especial por Ale Staudt – Fotos: Divulgação

O preço do café subiu, e quem passa pelo supermercado ou visita sua cafeteria preferida já percebeu. Mas por que esse aumento? O assunto virou plataforma política, mas o cenário é mais complexo; envolve questões climáticas, movimentações no mercado internacional e uma crescente demanda global. Entenda o que está por trás dessa alta e o que esperar para os próximos meses.

1.Clima desfavorável compromete safras

As lavouras de café são extremamente sensíveis às condições climáticas. Pequenas variações na temperatura e no regime de chuvas podem impactar significativamente a produtividade dos cafezais. No Brasil, que lidera a produção mundial do grão, os produtores enfrentaram uma sequência de desafios climáticos: estiagens prolongadas, temperaturas acima da média e, em algumas regiões, geadas inesperadas. Essas adversidades afetaram o desenvolvimento das plantas, reduzindo a floração e comprometendo o volume da colheita. O mesmo fenômeno ocorreu na Etiópia, berço do café arábica, onde secas severas resultaram em uma produção muito abaixo do esperado.

Segundo especialistas, a próxima safra brasileira pode sofrer uma redução de até 30%, impactando diretamente a oferta e, consequentemente, elevando os preços no mercado. As mudanças climáticas têm tornado os ciclos de produção menos previsíveis, dificultando o planejamento dos produtores e gerando incertezas para a indústria cafeeira.

Antônio Pitangui de Salvo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Sistema Faemg-Senar), reforça a gravidade do problema. Em entrevista ao portal Agro Brasil, ele afirmou: “O café precisa de condições climáticas equilibradas para se desenvolver. Quando a chuva falha e o calor castiga, a produção sofre”.

2.Política global, mercado internacional e dólar em alta influenciam os preços

Desde a posse de Donald Trump, a política tarifária dos Estados Unidos passou por mudanças significativas, impactando o comércio global. O aumento de tarifas sobre importações e a adoção de uma política econômica mais protecionista têm afetado diversos setores, incluindo o agronegócio. De acordo com relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI), tais medidas têm levado a um aumento da volatilidade nos mercados internacionais. Como resultado, investidores buscam refúgio no dólar, o que fortalece a moeda norte-americana e contribui para a elevação dos preços de commodities como o café.

O café é negociado na Bolsa de Valores de Nova York e tem seu valor atrelado ao câmbio. Com a cotação do dólar chegando a R$ 6,00, o custo para o consumidor final aumenta significativamente. Em fevereiro de 2024, o quilo do café era vendido a R$ 1.014,93. Agora, em fevereiro de 2025, o valor saltou para R$ 2.565,86, um aumento de aproximadamente 153%.

A indústria também enfrenta o aumento no custo de produção, incluindo fertilizantes, mão de obra e transporte. Pavel Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), destacou em reportagem da Revista do Café que os reajustes nas torrefadoras chegaram a 200% no último ano, mas apenas parte desse aumento foi repassado ao consumidor. “O mercado ainda sente os impactos, e novos reajustes podem ocorrer nos próximos meses”, alerta.

3.A China descobriu o cafezinho

O consumo de café não para de crescer. Além dos tradicionais mercados da Europa e América do Norte, um novo gigante entrou no jogo: a China. O país, que historicamente tem no chá sua bebida símbolo, vive uma transformação cultural, com jovens chineses adotando o café como parte de seu estilo de vida. Na última década o consumo vem crescendo exponencialmente, pressionando a oferta global.

O impacto no Brasil: café cada vez mais caro

No Brasil, o café vai além de uma simples bebida: faz parte da cultura e da rotina de milhões de pessoas. Considerado um item essencial, o café integra a cesta básica nacional, o que significa que seu aumento de preço impacta diretamente o orçamento das famílias, principalmente as de baixa renda.

O reajuste do café não afeta apenas quem consome a bebida em casa, mas também comerciantes, cafeterias e até mesmo restaurantes que dependem do produto em seu dia a dia. Pequenos empreendedores, como padarias e lanchonetes, já sentem o peso da alta, precisando repassar parte desse custo ao consumidor ou reduzir suas margens de lucro.

Confira a evolução dos preços no Brasil:

 Para o consumidor médio, isso significa que um pacote de café que antes custava R$ 15 pode facilmente ultrapassar os R$ 30 em algumas regiões. Para muitos brasileiros, que tomam café diariamente, esse aumento representa uma redução na qualidade ou na quantidade do produto consumido. O café da manhã tradicional, composto por pão, manteiga e café, fica mais caro e se torna um reflexo das dificuldades econômicas do país.

O reflexo nos cafés especiais

No maior produtor mundial de café, seria um desperdício os consumidores não explorarem as nuances do grão e da bebida. No Brasil, o consumo de cafés especiais cresceu significativamente nos últimos anos, formando um público exigente, que aprecia os aromas, notas sensoriais e toda a cultura cafeeira. Mas o café especial também sofreu impacto? Sim, naturalmente.

O café especial passa por um rigoroso processo de seleção. Estima-se que apenas cerca de 15% dos grãos possam ser classificados como especiais, seguindo critérios de sabor, aroma e doçura estabelecidos por padrões internacionais. A busca por qualidade e o maior controle sobre a origem e os métodos de produção encarecem o produto, tornando-o diferenciado no mercado.

Fazenda Umuarama, em Romaria (MG), propriedade da família Tamura

Em Maringá, uma família com tradição cafeeira decidiu comercializar a bebida utilizando grãos cultivados por eles mesmos no Cerrado Mineiro, região que possui a primeira denominação de origem do café brasileiro. Seu produto ostenta o selo de origem do Cerrado Mineiro, certificação que os coloca entre um grupo seleto de produtores que atingem no mínimo 80 pontos na avaliação da Specialty Coffee Association (SCAA), considerando desde a ausência de defeitos até a complexidade dos sabores.

Embora satisfeitos com a crescente valorização do café especial e sua aceitação pelo público, a família Tamura também enfrenta desafios.

Michael Tamura (foto), sócio do Café Tamura, explica: “Estamos tentando segurar ao máximo e ajustar nossos preços para não repassar integralmente os custos aos clientes. Sabemos que o consumidor, de maneira geral, não consegue absorver essa alta na mesma proporção. Hoje, um café ‘Tradicional’ (de classificação inferior) custa praticamente o mesmo que um café especial custava em 2024”.

Seu pai, Rui Tamura, responsável pela produção do café especial da família, compartilha uma perspectiva cautelosa: “Como produtor, temos a expectativa de que os valores se mantenham para a safra de 2025, que acontece entre junho e agosto. Isso é positivo, principalmente para aqueles que conseguiram armazenar café para comercializar no último ano”.

Assim, nota-se que alta do café tem causas diversas: clima desfavorável, oscilações do mercado e novos hábitos de consumo. Para produtores e comerciantes, o desafio é manter a qualidade e absorver os custos. Para o consumidor, a realidade é que o preço da bebida favorita continuará subindo. Pequenos comerciantes e cafeterias enfrentam o dilema de manter a qualidade sem onerar ainda mais os clientes, enquanto produtores tentam equilibrar custos crescentes sem comprometer a sustentabilidade de seus negócios.

Apesar do cenário desafiador, a paixão pelo café se mantém firme. O crescimento do consumo de cafés especiais no Brasil mostra que os consumidores estão mais exigentes e dispostos a explorar novas experiências sensoriais. O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre oferta, demanda e acessibilidade, garantindo que essa tradição nacional continue acessível para todos.